Zona Azul: concessão para a Estapar rende R$ 1,3 bi para São Paulo, mas outro R$ 1 bilhão será perdido

Thiago Tanji

22 de julho de 2014. Essa foi a última vez que a Prefeitura de São Paulo reajustou o preço da Zona Azul, passando de R$ 3 para R$ 5. Esse é o valor cobrado por hora para que os motoristas estacionem seus veículos nas quase 44 mil vagas de estacionamento pago, que estão concentradas majoritariamente nas áreas centrais da cidade.

Enquanto isso, naquele mesmo ano de 2014, a passagem de ônibus custava R$ 3. Hoje é necessário pagar R$ 4,40 para andar no transporte coletivo paulistano, um reajuste de mais de 46% no período de seis anos.

Aparentemente uma questão secundária quando se discute políticas de mobilidade, a gestão do meio-fio da metrópole passou a conquistar relevância para o debate desde dezembro do ano passado, quando a empresa Hora Park, do grupo Estapar, venceu a licitação para se tornar a gestora da Zona Azul de São Paulo pelos próximos 15 anos.

A concessão considera o pagamento de uma outorga fixa inicial de R$ 595 milhões e uma outorga fixa mensal de R$ 4,172 milhões. Além disso, a Estapar repassará ao poder público os valores de outorga variável (que equivale a um percentual da receita bruta do concessionário durante o período de operação). No total, os valores envolvidos serão de R$ 1,3 bilhão.

O serviço “privatizado” do estacionamento de rua começará a valer no dia 17 de novembro e o valor cobrado continuará ser R$ 5 por hora, com reajustes anuais de acordo com a inflação. A partir da data de início da nova gestão, apenas o aplicativo Estapar Nova Zona Azul – SP será válido para a compra do CAD (Cartão Azul Digital), que permite ao motorista inserir créditos de acordo com o tempo de permanência previsto na vaga. Os demais apps que ofereciam CADs deixarão de funcionar.

Em apoio à concessão, a atual administração afirmou que o serviço será modernizado e o caixa da cidade ganhará fôlego. Além do valor pago pela Estapar, estima-se um ganho de mais R$ 700 milhões ao levar em conta os investimentos, o pagamento de impostos e o dinheiro que será economizado ao deixar de gerir a operação da Zona Azul, atualmente realizada pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).

Um negócio bom para todos, certo? Não é bem assim. Além de ser um serviço que não causa prejuízos para a Prefeitura, uma melhor gestão da Zona Azul poderia aumentar significativamente as receitas do caixa paulistano. O valor poderia chegar a R$ 3 bilhões nos próximos 15 anos. Ou seja, R$ 1 bi a mais do que o valor da concessão à iniciativa privada somado à estimativa de economia dos órgão públicos ao abrir mão do serviço.

Atualmente, a CET é responsável pela gestão da Zona Azul — Foto: Thiago Tanji

Atualmente, a CET é responsável pela gestão da Zona Azul — Foto: Thiago Tanji

O estudo A Cidade Estacionada, do economista João Melhado com o apoio da universidade norte-americana Columbia School of International and Public Affairs, indica que uma mudança na maneira como a Zona Azul realiza sua precificação poderia aumentar ainda mais a arrecadação proposta, chegando a R$ 300 milhões por ano — atualmente, a Prefeitura obtém cerca de R$ 100 milhões com o serviço.

“A questão da precificação [da Zona Azul] talvez seja um dos maiores absurdos da gestão pública”, afirma Melhado. “No mundo perfeito, o valor seria calculado por oferta e demanda de cada lugar: se há muita procura por uma vaga em determinada região, você aumenta o preço. Se não há essa procura, ou você tira a vaga ou diminui o preço. Ou seja, deveriam ter lugares onde o preço da Zona Azul seria de menos de R$ 5, enquanto em outras vagas deveria custar muito mais que R$ 5.”

Como esse cálculo não é fácil de ser administrado por uma ferramenta capaz de cobrir todas as vagas de Zona Azul da cidade, o pesquisador propõe soluções mais simples de cobrança pelo serviço. Um exemplo é que o preço-base para a hora estacionada mudasse de acordo com a região (se há maior ou menor oferta de vagas) e com o horário em que o carro é estacionado.

Além de calcular a precificação de modo mais inteligente, é possível utilizar tecnologias que melhorem a fiscalização: segundo estimativas da Prefeitura, a evasão do pagamento do Cartão Azul Digital é superior a 40%. Para substituir os fiscais de rua, a CET vinha utilizando um veículo equipado com câmeras capazes de ler as placas e identificar os carros que não realizaram o pagamento. A multa para quem estaciona de maneira irregular é de R$ 53,20 e o infrator recebe três pontos na carteira.

Área de Zona Azul em frente ao prédio do Copan, em São Paulo — Foto: Thiago Tanji

Área de Zona Azul em frente ao prédio do Copan, em São Paulo — Foto: Thiago Tanji

Outras cidades do país já utilizam a tecnologia. A empresa Pumatronix, sediada em Curitiba, desenvolveu um sistema batizado de ITSCAMPRO VTR-4, capaz de realizar o reconhecimento da placa e registrar data, hora e localização do veículo estacionado.

A Estapar afirma que utilizará um serviço de câmeras para fiscalizar a Zona Azul em São Paulo, além de agentes com tablets para informar a Prefeitura sobre infrações. “Esses sistemas permitirão a transferência e acessos aos dados, bem como a fiscalização necessária. Vale ressaltar que não cabe à concessionária aplicar quaisquer multas”, afirma a empresa.

Sistema de monitoramento com câmeras já é utilizado no Brasil — Foto: Divulgação

Sistema de monitoramento com câmeras já é utilizado no Brasil — Foto: Divulgação

A própria Prefeitura de São Paulo notou como o uso da tecnologia ajuda na hora da arrecadação: ao substituir os talões de papel pelo aplicativo, as fraudes diminuíram. Com isso, a receita saltou de R$ 54,6 milhões em 2016 (quando o Cartão Azul Digital foi implantado) para cerca de R$ 99 milhões em 2019.

Dinheiro fácil?

Diante da atual conjuntura econômica e os riscos de adotar medidas impopulares — como o aumento do valor da Zona Azul — parece que é melhor ter R$ 1,3 bilhão na mão que os R$ 3 bi voando com cálculos hipotéticos.

Mas o problema é que o contrato assinado com a Estapar pode tirar dinheiro dos cofres públicos e afetar o planejamento urbano para os próximos anos. O contrato prevê que se a Prefeitura extinguir uma vaga da Zona Azul, será necessário ressarcir a concessionária. O valor dessa compensação varia de acordo com a região da cidade e com o tempo de duração do contrato.

Para Melhado, isso reduzirá a autonomia do poder público, que observará os aspectos financeiros antes de realizar possíveis mudanças de mobilidade. “Para construir um corredor de ônibus de 10 km, a Prefeitura terá de pagar milhões para desapropriar a concessão da Zona Azul, o que coloca um empecilho extra para fazer da rua um espaço mais coletivo”, afirma. Até o fim do período de concessão, o planejamento é de que 60 mil vagas estejam sob gestão privada.

Estapar ficará responsável pela manutenção da sinalização das placas, mas não realizará investimentos nas vias — Foto: Thiago Tanji

Estapar ficará responsável pela manutenção da sinalização das placas, mas não realizará investimentos nas vias —

No edital de licitação, não há diretrizes específicas sobre como as informações pessoais serão geridas, mas o enquadramento na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais prevê o consentimento do usuário em compartilhar informações pessoais (as famigeradas letras miúdas com os termos de privacidade).

Segundo a Estapar, as migrações de dados para o serviço da empresa será realizado de “maneira clara e precisa para cada usuário”.

https://autoesporte.globo.com/mobilidade/noticia/2020/10/zona-azul-concessao-para-a-estapar-rende-r-13-bi-para-sao-paulo-mas-outro-r-1-bilhao-sera-perdido.ghtml

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